segunda-feira, 29 de julho de 2013

Protestos: Uma nova era?

O fator decisivo das manifestações ao redor do mundo é a erosão da confiança em governos, instituições, partidos e políticos


Protesto Guy Fawkes
Manifestantes se cumprimentam durante protesto em 17 de julho, no Rio de Janeiro

Estamos presenciando um surto de protestos na Europa, Oriente Médio, América Latina e Ásia -- com a América do Norte (com exceção do "Ocupem") e a África subsaariana sendo os estranhos de fora. As molas mestras dos protestos podem ser diferentes – alguns são reações às dificuldades econômicas, outros são revoltas contra ditaduras, outros ainda expressam as aspirações de novas classes médias nos mercados emergentes em rápido crescimento – mas todas têm em comum características subjacentes. As consequências econômicas, sociais e políticas da crise econômica e financeira global dos anos 2008-09 ajudam parcialmente a explicar o surto de protestos, mas o que parece ser decisivo é a erosão da confiança em governos, instituições, partidos e políticos o que geralmente é chamado de "crise de democracia". As características marcantes dos protestos são seu caráter difuso, incoeso, sua dissociação da política e da ideologia e sua rejeição consciente à organização e liderança. É portanto um erro falar sobre uma "nova era de revolução": os movimentos de protesto atuais têm pouca semelhança com seus predecessores do século 20.

Na onda generalizada de protestos, é possível distinguir vários tipos gerais de movimento.
a) Os pertencentes à "Primavera Árabe", a onda de protestos e conflitos contra os regimes e pró-democracia que começou em dezembro de 2010 na Tunísia e se espalhou para Argélia, Jordânia, Egito, Iêmen e outros países, às vezes também chamada de "Inverno Islâmico", em consequência do sucesso dos partidos islâmicos nas eleições subsequentes.
b) Houve uma crescente incidência de tipos mais tradicionais de inquietação social, como greves e demonstrações contra a austeridade, em reação aos efeitos residuais negativos da crise econômica global de 2008-09, que levou ao aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade em muitos países.
c) Também há uma categoria mais amorfa de protestos que pode ser chamada de "novos movimentos sociais", exemplificada pelos manifestantes turcos, os Indignados na Espanha, os movimentos Ocupem em Nova York e Londres e os Piratas na Alemanha e outros países do norte da Europa. Suas causas são diversas, seus participantes, principalmente jovens de classe média, e suas demandas, incipientes, mas seus alvos geralmente são as elites políticas, consideradas distantes, egoístas e corruptas.
Os catalisadores desses diversos tipos de movimentos de protesto são vários (as ditaduras durante décadas no Oriente Médio, as políticas de austeridade na Grécia, Bulgária e Romênia, a construção de megaprojetos na Turquia, Brasil e Macedônia, etc.), mas todos têm algumas características comuns que os diferenciam dos protestos que foram comuns no século 20.

Os condutores da inquietação
O mero número de protestos que abrangem diferentes fusos horários chamou a atenção de comentaristas em toda parte. Na verdade, os protestos vêm acumulando pressão há anos, certamente na Europa, onde houve episódios recorrentes de tumultos e muitos governos caíram. Por que os protestos estão irrompendo agora e quais são suas causas -- é simplesmente uma coincidência que a inquietação abarque vários continentes ao mesmo tempo?
O pano de fundo da recente onda de protestos é a crise de 2008-09 e suas consequências. Os efeitos negativos da crise para a economia e a sociedade são importantes, embora não possam por si sós explicar o surto de rebeliões. Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), "Relatório Mundo do Trabalho 2013: Reparando o tecido social", notou que a inquietação social aumentou em 2011-12 em relação ao período pré-crise em 46 dos 71 países cobertos. O índice da OIT usa cinco variáveis ponderadas: confiança no governo; padrão de vida; mercado de trabalho local; liberdade na vida; e acesso à internet. A OIT realizou uma avaliação empírica para estabelecer a ligação entre seu índice de inquietação social e indicadores econômicos reais medidos por seu índice de inquietação social. Concluiu que o crescimento econômico e o desemprego são os dois determinantes mais importantes de inquietação social.
Assim como o índice de inquietação social da EIU, a OIT descobriu que a Europa é a região mais suscetível ao problema, em consequência das repercussões econômicas (recessão, aumento do desemprego, crescente desigualdade econômica) da crise e das reações políticas pós-crise (políticas de austeridade e regressão das tendências democráticas). Os países que experimentaram os aumentos mais acentuados no risco de tumulto social em 2010-12 são Chipre, República Checa, Grécia, Itália, Portugal, Eslovênia e Espanha. O risco de tumulto social também aumentou notadamente nos países da Europa Central e do sudeste, entre membros da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e países da Ásia meridional. No Oriente Médio e no norte da África, o risco de tumulto social atingiu o pico em 2008 e continuou alto depois. O risco de tumulto social diminuiu na África subsaariana, que se saiu bem economicamente nesse período (2011-12), e na Ásia meridional, no Sudeste Asiático e Pacífico, América Latina e Caribe, refletindo uma recuperação relativamente rápida da crise econômica.
Ironicamente, diante das conclusões de sua própria pesquisa, a OIT critica o índice de inquietação social da EIU por dar muito peso às fraquezas institucionais e políticas nos países em desenvolvimento (provavelmente nós demos maior peso a esses fatores também para os países desenvolvidos). No entanto, nossa ênfase sobre a importância desse fator parece se justificar pelos acontecimentos recentes, já que grande parte dos tumultos em países desenvolvidos e menos desenvolvidos parece ser motivada por uma profunda sensação de insatisfação popular com as elites e as instituições políticas.

Déficit de confiança
Como afirmamos em nosso relatório de 2009, "Reforçando as barricadas", o distúrbio econômico é quase uma condição necessária para a instabilidade grave, mas não é suficiente por si só. Os declínios de renda nem sempre são seguidos de inquietação. É só quando o distúrbio econômico é acompanhado de outras características estruturais de vulnerabilidade que há um alto risco de instabilidade. A vulnerabilidade subjacente à inquietação depende de uma série de fatores, incluindo o grau de desigualdade de renda, a situação de governança, níveis de provisão social, tensões étnicas, confiança do público nas instituições e um histórico de inquietação.
Sobre essa base, sugerimos que a Europa seria a região mais afetada, e destacamos a Grécia e o Reino Unido como países da Europa ocidental com maior probabilidade de sofrer tumultos sociais. E mesmo durante o boom econômico de meados da década de 2000 afirmamos que a Europa ocidental era especialmente vulnerável a choques externos por causa da enraizada insatisfação popular com os sistemas políticos e a democracia. A crise reforçou um clima preexistente de decepção com a experiência e os resultados da transição de 20 anos. Houve um novo declínio marcante na satisfação com a vida, apoio aos mercados e à democracia e confiança nas instituições -- em um grau que, alguns anos atrás, parecia separar as metades ocidental e oriental do continente. Entretanto, nos últimos anos a Europa meridional rapidamente se aproximou da oriental nesse sentido, e a Europa ocidental hoje não está muito longe.
Somente ao dar a devida consideração à dimensão política poderemos compreender as molas mestras da nova era de protestos e enxergar os denominadores comuns de protestos aparentemente diversos. É o aumento da desconfiança popular em governos, instituições, partidos e políticos que está impelindo muitos dos atuais movimentos de protesto, seja na Europa marcada pela austeridade ou na América Latina em rápido crescimento. Houve uma tendência secular de longo prazo de declínio da confiança em todo o mundo ocidental desde os anos 1970; esta se acelerou e espalhou depois do colapso do comunismo em 1989 e se acelerou novamente desde a crise de 2008-09, como foi bem documentado em pesquisas regulares feitas por Gallup, Pew, Eurobarômetro e outros.
Um cientista político búlgaro, Ivan Krastev, investigou o déficit de confiança em relação aos acontecimentos recentes na Europa e em outras regiões e discute como o comportamento das elites políticas ao administrar a crise levou a uma erosão da confiança e decepção com a democracia (o Índice de Democracia da EIU 2012 também discute essas tendências). Krastev diz que o novo populismo é melhor compreendido como "a frustração dos empoderados": a disseminação da democracia em todo o mundo coincide com uma sensação crescente de decepção com a democracia.
Esse declínio de confiança pública nas instituições democráticas ajuda a explicar o que os moradores pobres de Sófia, na Bulgária, têm em comum com os manifestantes de classe média da Praça Taksim, na Turquia. Os manifestantes na Turquia não são motivados pelas dificuldades econômicas ou a insatisfação com a condução da economia pelo governo Erdogan -- seu histórico econômico foi a principal razão pela qual o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) foi reeleito em 2007. A questão unificadora é a insatisfação com o estilo de governo de Erdogan, sua falta de consulta e sua reação pesada aos protestos. Na Bulgária, o que começou como protestos contra o aumento dos preços da eletricidade há alguns meses rapidamente se transformou em manifestações gerais contra o governo, queixando-se da corrupção e da falta de transparência, resultando na queda do governo de centro-direita de Boiko Borisov. Poucas semanas após sua eleição, o novo governo de centro-esquerda se viu diante de protestos populares contra o nepotismo e a corrupção, e é improvável que sirva um mandato completo.

Doença moderna
Então quem são esses manifestantes da nova era, e o que querem realmente? De modo geral (mas não exclusivamente), eles são liderados por indivíduos jovens, educados, de classe média, que se sentem indignados com seus líderes políticos. Em geral eles não pertencem a partidos políticos ou sindicatos e preferem o anonimato do Twitter e outras redes sociais às plataformas políticas tradicionais -- pelo menos até que sejam carregados aos estúdios de TV, quando as mobilizações de suas redes sociais inesperadamente se transformam em protestos de massa. Isso aconteceu com os cinco fundadores do movimento "tamarrod" (rebelião) no Egito, todos na faixa dos 20 anos, que começaram organizando uma petição para depor o presidente Mohamad Morsi e acabaram sendo convidados aos programas de entrevista no horário nobre da TV.
O historiador Francis Fukuyama afirma que os novos movimentos de protesto são o resultado da ascensão de uma nova classe média global que se sente alienada da elite política dominante e que tem uma sensação de direitos que não são cumpridos. As exigentes novas classes médias não são apenas um problema para regimes autoritários ou novas democracias, segundo Fukuyama, mas também para as democracias estabelecidas. No entanto, ele nota que, historicamente, esses movimentos tiveram pouco sucesso em produzir mudanças políticas duradouras, porque são minorias em suas sociedades e se provaram incapazes de se ligar e unir com outras forças sociais. Tudo isso é verdade até agora, mas existe uma razão mais fundamental pela qual é improvável que os movimentos de protesto de hoje modifiquem o status quo ou produzam mudanças políticas substanciais.

"Todos os deuses mortos"
Há um buraco no centro dos novos movimentos de protesto, como notaram outros observadores, apontando para a ausência de um objetivo político claramente definido. Temos o paradoxo de protestos sem política no sentido clássico de uma disputa de ideias. A política no estilo do século 20 -- um choque de ideias e um compromisso de combater por elas -- não existe mais na segunda década do século 21. Se olharmos para as demandas dos manifestantes ao redor do mundo, isto se torna evidente. A maioria desses movimentos se concentra em exigências de dignidade, inclusão, reconhecimento, respeito.
De Istambul ao Rio, Londres a Nova York e Madri a Atenas, os manifestantes se recusaram conscientemente a engajar-se em um processo de esclarecimento político -- em favor de apenas fazer uma declaração emocional (indignação, vitimismo, deixe-me em paz, não me representa, etc.). Muitos manifestantes se recusam a explicar contra ou a favor de quê estão combatendo, e até transformam em virtude o fato de não ter nada a dizer. O "homem silencioso" na Praça Taksim, Turquia, que ficou imóvel e em silêncio durante oito horas, é um símbolo adequado dos protestos da nova era.
Por trás desse silêncio há um sentido de impotência. Krastev cita um estudo de movimentos de protesto realizado pela Escola de Economia de Londres (LSE), que notou que muitos não protestavam contra políticas específicas do governo, tanto quanto expressavam a crença geral de que interesses poderosos capturaram as instituições democráticas e os cidadãos comuns são impotentes para produzir mudanças. Essa sensação de impotência, de estar na extremidade receptora das mudanças provocadas por forças além do controle das pessoas comuns, permeia muitos dos movimentos de protesto.
Mesmo quando os manifestantes apresentam demandas políticas formais, tendem a aceitar o status quo. Assim, os manifestantes da Bulgária exigiram a reforma do sistema eleitoral e das instituições do país, o fim da corrupção e maior transparência. Essas demandas sugerem uma incapacidade nesta era de antipolítica de conceber uma alternativa melhor, não importa quão decepcionante seja a opção democrática oferecida. Os movimentos de protesto não têm qualquer sentido de ser agências de mudança social; na verdade, são com frequência antimudanças e expressam ideias retrógradas sobre crescimento e desenvolvimento.
O problema dos manifestantes do mundo é que eles foram incapazes de trazer novas ideias para preencher o vácuo ideológico. A maioria dos novos movimentos de protesto deliberadamente evita a ideologia, chegando a considerar uma virtude sua falta de ideias políticas. A maioria dos manifestantes poderia identificar o que é contra, mas não muitos podem articular claramente de que são a favor, ou tem um plano de como vão alcançar seus objetivos.

Ou isso explode?
A exceção à tendência apolítica dos protestos modernos pareciam ser os movimentos da Primavera Árabe, que levaram massas de pessoas às ruas em um desafio coletivo aos antigos regimes da região. Quando as pessoas começaram a ter uma sentido de seu poder de mudar as coisas, como no Egito há cerca de um ano, tornaram-se mais decididas a combater pelo que queriam. No entanto, o que começou como um movimento potencialmente transformador por mudanças democráticas acabou endossando a remoção do primeiro presidente eleito democraticamente, por um golpe militar.
Tendo falhado ao esclarecer seus objetivos políticos e organizar-se efetivamente, os manifestantes originais pró-democracia no Egito encontraram suas aspirações democráticas bloqueadas pelos militares. Eles saíram novamente às ruas para insistir sobre o fim do regime militar e combater por eleições livres, mas falharam ao reunir os elementos mais conservadores da sociedade egípcia atrás de sua visão de um futuro mais secular e democrático. Quando as primeiras eleições democráticas levaram ao poder os islâmicos mais organizados, as multidões saíram às ruas de novo para exigir sua remoção. Que um golpe militar para remover do poder o presidente eleito e seu partido possa ser celebrado pelos manifestantes como um sucesso -- enquanto reforça as divisões nacionais e ameaça precipitar a guerra civil -- sugere que o movimento de protesto egípcio sofre os mesmos defeitos que outros.
É provável que haja mais surtos de inquietação nas próximas semanas e meses, e mais governos deverão cair, mas os manifestantes da nova era não representam uma ameaça séria ao status quo. Os movimentos de protesto que não elucidam e esclarecem seus objetivos e não constroem uma organização para lutar por eles invariavelmente se extinguem. Além disso, ao repudiar a política, eles permitem que os poderes de fato se reorganizem enquanto preservam o velho sistema político. Como observou um professor de ciência política no Cairo, o movimento tamarrod provavelmente desaparecerá como outras coalizões jovens, "porque são sobre o que eles não querem, e não sobre o que eles querem". Não são rivais para os líderes militares do Egito, que lutarão para defender sua posição privilegiada.

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