A questão social não se reduz ao reconhecimento da realidade bruta da pobreza e da miséria. Para colocar nos termos de Castel (1995), a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe
em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação. Aporia que, nos tempos que correm, diz respeito também à disjunção entre as esperanças de um mundo que valha a pena ser vivido inscritas nas reivindicações por direitos e o bloqueio de perspectivas de futuro para maiorias atingidas por uma modernização selvagem que desestrutura formas de vida e faz da vulnerabilidade e da precariedade formas de existência que tendem a se cristalizar como único destino possível. Vista dessa perspectiva, a questão social é o ângulo pelo qual as sociedades podem ser descritas, lidas, problematizadas em sua história, seus dilemas e suas perspectivas de futuro. Discutir a questão social significa um modo de se problematizar alguns dos dilemas cruciais do cenário contemporâneo: a crise dos modelos conhecidos de welfare state (que nunca se realizou, é bom lembrar), que reabre o problema da justiça social, redefine o papel do Estado e o sentido mesmo da responsabilidade pública; as novas clivagens e diferenciações produzidas pela reestruturação produtiva e que desafiam a agenda clássica de universalização de direitos; o esgotamento do chamado modo fordista
de regulação do mercado de trabalho e que, nas figuras atuais do desemprego e trabalho precário, indica uma redefinição do lugar do trabalho (não a perda de sua centralidade, como se diz correntemente) na dinâmica societária, afetando sociabilidades, identidades, modos de existência e também formas de representação. Seria possível dizer que, nessa encruzilhada de alternativas incertas em que estamos colocados, as mudanças em curso (no Brasil e no mundo) fazem vir à tona a dimensão dilemática envolvida na questão social. Com o esgotamento dos modelos conhecidos de proteção social e regulação do trabalho, é como se estivessem sendo reativados os sentidos das aporias, contradições, tensões e conflitos que estiveram nas origens dessa história. Essa é uma primeira questão que gostaríamos de enfatizar. Nesses tempos em que um determinismo econômico e tecnológico está mais do que nunca revigorado, ganhando espaço até mesmo entre os analistas mais críticos, seria
preciso se desvencilhar do fetiche dos modelos e reativar o sentido político corporificado em armaduras institucionais nas quais se estabeleceram as mediações entre o mundo do trabalho e a cidadania. Sentido político ancorado na temporalidade própria dos conflitos através dos quais os trabalhadores se destacaram e, ao mesmo tempo, dissolveram o mundo indiferenciado da pobreza na qual estavam mergulhados, constituíram-se como atores coletivos, ganharam a cena pública e disputaram, negociaram,
arbitraram os termos de sua participação na vida social.
em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação. Aporia que, nos tempos que correm, diz respeito também à disjunção entre as esperanças de um mundo que valha a pena ser vivido inscritas nas reivindicações por direitos e o bloqueio de perspectivas de futuro para maiorias atingidas por uma modernização selvagem que desestrutura formas de vida e faz da vulnerabilidade e da precariedade formas de existência que tendem a se cristalizar como único destino possível. Vista dessa perspectiva, a questão social é o ângulo pelo qual as sociedades podem ser descritas, lidas, problematizadas em sua história, seus dilemas e suas perspectivas de futuro. Discutir a questão social significa um modo de se problematizar alguns dos dilemas cruciais do cenário contemporâneo: a crise dos modelos conhecidos de welfare state (que nunca se realizou, é bom lembrar), que reabre o problema da justiça social, redefine o papel do Estado e o sentido mesmo da responsabilidade pública; as novas clivagens e diferenciações produzidas pela reestruturação produtiva e que desafiam a agenda clássica de universalização de direitos; o esgotamento do chamado modo fordista
de regulação do mercado de trabalho e que, nas figuras atuais do desemprego e trabalho precário, indica uma redefinição do lugar do trabalho (não a perda de sua centralidade, como se diz correntemente) na dinâmica societária, afetando sociabilidades, identidades, modos de existência e também formas de representação. Seria possível dizer que, nessa encruzilhada de alternativas incertas em que estamos colocados, as mudanças em curso (no Brasil e no mundo) fazem vir à tona a dimensão dilemática envolvida na questão social. Com o esgotamento dos modelos conhecidos de proteção social e regulação do trabalho, é como se estivessem sendo reativados os sentidos das aporias, contradições, tensões e conflitos que estiveram nas origens dessa história. Essa é uma primeira questão que gostaríamos de enfatizar. Nesses tempos em que um determinismo econômico e tecnológico está mais do que nunca revigorado, ganhando espaço até mesmo entre os analistas mais críticos, seria
preciso se desvencilhar do fetiche dos modelos e reativar o sentido político corporificado em armaduras institucionais nas quais se estabeleceram as mediações entre o mundo do trabalho e a cidadania. Sentido político ancorado na temporalidade própria dos conflitos através dos quais os trabalhadores se destacaram e, ao mesmo tempo, dissolveram o mundo indiferenciado da pobreza na qual estavam mergulhados, constituíram-se como atores coletivos, ganharam a cena pública e disputaram, negociaram,
arbitraram os termos de sua participação na vida social.
TELLES, Vera da Silva. QUESTÃO SOCIAL afinal, do que se trata?. Artigo Departamento de Sociologia da USP. Núcleo de Estudos e Direitos da Cidadania. São Paulo. 1996.
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